quinta-feira, fevereiro 14, 2008

qual a nota para Flusser?


Acima podemos ler uma nota introdutória (creio que da edição americana) do livro Filosofia da Caixa Preta de Vilém Flusser. Curiosamente, não existe esta nota na edição brasileira. Participei de um debate na Esdi sobre este livro e Flusser foi muito criticado por lançar idéias sem embasá-las propriamente, dentre outros problemas acadêmicos, tais como não propor bibliografia alguma de referência para situar melhor o universo de suas proposições (algumas são claramente derivadas de Karl Marx, mas poderemos afirmar?). Uma de suas idéias que mais me encanta propõe que "textos nasceram de imagens rasgadas". Flusser simplesmente assume que foi assim, enquanto sabemos que o que há são diversas teorias sobre o desenvolvimento dos textos (as escritas orientais, por exemplo, nunca romperam sua relação com a imagem). Eu deduzo que Flusser trata dos hieroglifos egípcios ou similares, onde a escrita claramente derivou de uma ilustração sem ordem de leitura linear anterior (e foi "rasgada" e linearizada). Idéia muito interessante, mas sem maiores embasamentos. E o livro é todo muito assim. Assume coisas demais e deixa pouco espaço para possibilidades diferentes do que ele propõe. No fim do livro ele começa a abrir algum espaço de esperança para a fotografia, como se o fotógrafo pensante fosse uma invenção recente contra a robotização dos apertadores de botão (os funcionários). Acho que a nota introdutória foi colocada para tentar acalmar e prevenir os ânimos acadêmicos mais exaltados frente a uma proposta tão abrangente quanto se desenvolver uma filosofia da fotografia.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá Luish Coelho,

Bem, cheguei até esse post através de uma busca pelo nome do autor analisado: Vilém Flusser. Devemos, destarte, ponderar algumas observações colocadas por você, nesta breve análise do caríssimo livro de Flusser. Inicialmente, devemos considerar – filosofia da caixa preta – como uma coleção de ensaios escritos a partir de uma série de conferências que ele pronunciou na França e Alemanha. Esses resumos ensaísticos foram publicados à pedido de uma editora alemã. Portanto, não devemos cobrar a formalidade requerida para textos acadêmicos, tais como referências, notas e (ou) bibliografia. Flusser foi, sem dúvida e ao lado de Sartre, o último intelectual da filosofia moderna. Ambos levantaram questões centrais discutidas ao longo de toda a história da filosofia antiga e clássica, abordando temas kantianos, e heideggerianos, tomando como influência fundamental e por consequência, as grandiosas obras de Kant e Heidegger e não de Marx como você aponta no texto. Sobre as teorias de Karl Marx, Flusser revela o que pensa e realiza uma grande crítica em seu livro "Bodenlos: uma autobiografia filosófica", colocando em cheque todo o pensamento neo-hegeliano, ou seja, o pensamento de Marx.

Vilém Flusser não se preocupa com as formalidades acadêmicas, pois foi um homem livre de toda e qualquer formalidade "programada" (já adotando um termo do autor). Flusser também faz sérias análises sobre o estatudo da educação de nível superior no Brasil e na Europa e esses textos são utilizados por pesquisadores das áreas de sociologia, antropologia e filosofia da educação. No livro "Bodenlos" e em outros textos em formato de artigo, podemos ler esse tipo de crítica.

Bem, isto posto, devemos ponderar com extremo cuidado toda e qualquer observação sobre a obra deste intelectual moderno, considerado por muitos, o último.

< raphaeldallanese@gmail.com>

luish disse...

caro Rapahel,

primeiro de tudo agradeço seu comentário. Agora vamos às idéias. Esclarecendo, o ponto que citei e penso ter Flusser recorrido à teoria marxista (e, veja, nem cheguei a afirmar isso não, releia e verá que é só um palpite) para desenvolver seu pensamento é quando este propõe a definição de homo ludens, diferenciando o fotógrafo do trabalhador tradicional, o homo faber. Marx ou não, essa idéia deriva de algum pensador da era industrial (e que aponta uma relação de submissão entre o proletário industrial e a máquina) e, a meu ver, não faria mal ao texto apenas posicionar este pensamento. Não discordo das propostas de Flusser, na verdade, acho muito pertinente e inquietante (óbvio, senão, nem estaríamos aqui conversando). Quanto ao ponto de afirmar e embasar toda a definição de imagem técnica sobre a afirmação de que a palavra escrita nasce de imagens rasgadas, me parece um pouco generalizante demais, não acha? Apesar de ter sido esta idéia a que mais me fascinou das primeiras vezes que li Flusser. O conceito de imagem técnica é outro que, ao ser genialmente criado, nos faz questionar se não podemos estender o conceito de aparelho para todo o conjunto filosófico da perspectiva linear desenvolvido desde o Renascimento. Um aparelho ideológico muito mais sofisticado do que a câmera fotográfica em si. Existem vários outros pontos no texto de Flusser a serem comentados e não cabem neste espaço. A nota no blog foi para mostrar minha surpresa com a nota que encontrei na edição em inglês que simplesmente não existe na brasileira. Me chamou a atenção haver a necessidade de colocar uma justificativa de porque não existe bibliografia nem citações no livro. "This book attempts to strengthen the suspicion (that the structure of culture - and therefore existence itself - is undergoing a fundamental change)." A quem será que esta nota se dirige?

um abraço,
luish

Unknown disse...

Na edição portuguesa que tenho em mãos, um texto muitíssimo parecido com esse aparece como "PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA" V.F. São Paulo, outubro de 85
Quanto aos textos nascerem de imagens rasgadas, fico sempre pensando em escritas no Bambu orientais