segunda-feira, junho 15, 2020

Um outra travessia

Nesses dias da quarentena tenho pensando muito nos planos antigos, nos sonhos antigos, tentando imaginar o que ainda é possível nessa vida. Não foi só o coronavírus que mudou meus horizontes, deixar o Brasil veio logo antes e foi uma mudança de proporções enormes.

A última grande reavaliação que fiz de tudo foi há uns anos quando preparava o livro Travessia para publicação. O livro nem tinha esse nome ainda, mas aquele trabalho tinha sido feito com um filme que estava vencido havia 20 anos. A história dessa lata de Fomapan se confundia com a minha. Seu vencimento tinha sido no mesmo ano em que eu comecei a fotografar. Me encontrei lembrando de coisas que tinham acontecido lá pelos idos de 1991 a 1993, meus primeiros anos na fotografia. Depois comecei a listar tudo que tive que aprender nos anos que me trouxeram até 2011 a 2013 para poder lidar aquele filme e seus desafios. Travessia nasceu disso, dos fatos e dos aprendizados que tornaram aquele livro possível.

Decidir imigrar mesmo sem coronavírus traz uma série de desafios, mas no fim de 2018 decidimos fazer isso em família. Durante aquele ano havíamos debatido diversos pontos ligados a essa mudança, coisas concretas como o que fazer com a poltrona que herdei da minha vó ou onde guardar nossos negativos de uma vida inteira. Uma outra série de questões não precisaram ser debatidas, as mais abstratas como o que faríamos por aqui ou será que ainda havia algo que pudéssemos fazer para evitar a mudança. Pensávamos em fazer o que sempre fizemos (coisas ligadas à fotografia) e para a segunda questão não tínhamos uma resposta, apenas uma sensação de que não havia mesmo outra solução.

Antes de atravessar o Atlântico tivemos que nos libertar de uma série de coisas. Esvaziar nosso estúdio onde atendíamos as noivas e noivos, onde estavam meus queridos scanners monumentais, minha coluna de reprodução, minha impressora recém-convertida para tinta de carbono e outros diversos equipamentos recolhidos do lixo naquela megalópole. Tive que desmontar meu laboratório. Pela primeira vez desde que comecei a fotografar não tinha mais onde revelar meus filmes. Comprei mais HDs para fazer ainda mais uma cópia de tudo que pretendia carregar comigo. Me desfiz de câmeras que tinha escolhido cuidadosamente durante anos, não foi fácil, mas fui ficando mais leve para a viagem e curiosamente acabei me acostumando com esse processo de desapego. Um outra travessia, uma nova série de aprendizados.


Dos anos em que morei no Canadá tirei algumas idéias para facilitar minha própria chegada a Portugal. Olhei para as atividades que eu promovia em torno da comunidade fotográfica no Brasil: as feiras analógicas FRoFA, as entrevistas do programa Foco Crítico, as oficinas sobre coisas esquisitas como o CCD linear. Nasceu assim a idéia das entrevistas em vídeo para Fotografia Portuguesa. Algumas outras idéias foram postas de lado por uns tempos. Do outro lado, sem ter meu laboratório comigo, corri para encontrar uma outra impressora que pudesse converter para carbono. Confesso que acompanhei com uma certa inveja as experiências de quem ainda tem laboratório p&b durante a quarentena e com um gosto especial as daqueles que aproveitaram esse retiro para descobrir o prazer de ficar sob a luz vermelha debruçado sobre umas banheiras fedidas.

Converti uma Epson 1400 para aceitar um jogo de 6 tons de carbono e comecei a fazer minhas primeiras cópias desde que cheguei. Foi a terceira impressora que eu converti e foi muito prazeroso o processo. Tratei de imprimir uns postais com imagens daqui de Braga, dos meus primeiros passeios pela cidade. Foi um passo importante para restabelecer o movimento de refletir, fotografar e imprimir. Vou me organizar para compartilhar mais sobre esse processo com a tinta de carbono aqui nesse espaço.


Publicado originalmente no Efecetera: https://efecetera.com/artigo-de-opiniao/uma-outra-travessia/

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Além do que vê o olho

O encanto pelo instante ínfimo é um dos brinquedos no quintal da fotografia. O fotógrafo francês Jacques Honvault apresenta em seu site belos instantâneos que nossos olhos nunca terão a capacidade de ver.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

qual a nota para Flusser?


Acima podemos ler uma nota introdutória (creio que da edição americana) do livro Filosofia da Caixa Preta de Vilém Flusser. Curiosamente, não existe esta nota na edição brasileira. Participei de um debate na Esdi sobre este livro e Flusser foi muito criticado por lançar idéias sem embasá-las propriamente, dentre outros problemas acadêmicos, tais como não propor bibliografia alguma de referência para situar melhor o universo de suas proposições (algumas são claramente derivadas de Karl Marx, mas poderemos afirmar?). Uma de suas idéias que mais me encanta propõe que "textos nasceram de imagens rasgadas". Flusser simplesmente assume que foi assim, enquanto sabemos que o que há são diversas teorias sobre o desenvolvimento dos textos (as escritas orientais, por exemplo, nunca romperam sua relação com a imagem). Eu deduzo que Flusser trata dos hieroglifos egípcios ou similares, onde a escrita claramente derivou de uma ilustração sem ordem de leitura linear anterior (e foi "rasgada" e linearizada). Idéia muito interessante, mas sem maiores embasamentos. E o livro é todo muito assim. Assume coisas demais e deixa pouco espaço para possibilidades diferentes do que ele propõe. No fim do livro ele começa a abrir algum espaço de esperança para a fotografia, como se o fotógrafo pensante fosse uma invenção recente contra a robotização dos apertadores de botão (os funcionários). Acho que a nota introdutória foi colocada para tentar acalmar e prevenir os ânimos acadêmicos mais exaltados frente a uma proposta tão abrangente quanto se desenvolver uma filosofia da fotografia.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Nem garoa

O Temporal anda meio devagar. Cada um com seus projetos individuais em andamento.
Para ver o que andamos fazendo, bisbilhote aqui:


Luish - Na Câmera Escura

Daniela Picoral - Digasim

Guilherme - Refotografia

Chico Rivers

terça-feira, outubro 16, 2007

Foto Arte

Começa hoje. É em Brasília, por isso, não terei condições de ir. FOTOARTE. É um baita evento. Curioso navegar pelos trabalhos e ler um pouco dos textos que tentam "explicar os trabalhos". A fotografia ainda é muito refém da legenda, ou melhor, quem vê fotos ainda precisa saber do que se trata. Eita coisa arraigada! Por um lado, tem a parte da curiosidade que pergunta, - mas como foi que o disgramado fez isso? Antigamente, a pintura era mais misteriosa, a postura diante da obra, um pouco mais comedida. Imagino que seja um pouco porque os pintores cultivavam certo mistério em torno da técnica e imagino também que as pessoas ao observar se sentiam constrangidas de perguntar ao pintor, - ei, me explica, como você fez este esfumaçado? e esta transparência? e esta luz fantástica? e esta perfeição de perspectiva?

quarta-feira, outubro 03, 2007

Copan em Dobro

A dobra é um tema da arte. Ao dobrar um plano criamos estrutura. Uma folha de papel mole na mão consegue ficar em pé sobre a mesa depois que ganha uma dobradura. Espelhos criam dobras visuais no espaço. Quem nunca passou tempos com um caleidoscópio no olho? A fotografia é muita afeita a estas brincadeiras e quantos mundos não surgem de dobraduras fotográficas? Geraldo de Barros e suas Fotoformas, Harry Callahan e as duplas exposições, entre milhões de aventureiros em busca da dobradura do olhar. Vejam o que este fotógrafo fez com o já tão decifrado edifício Copan (por Felipe Cretella).

terça-feira, setembro 25, 2007

O Pentaprisma de Dürer


Em minhas andanças aleatórias pelo meio digital, encontrei esta gravura de Dürer que não conhecia e que me impressionou muito. No Wiki tem um verbete para ela e um link direto para um arquivo em alta. Melancolia I, chama-se. É de 1514 e já mereceu um livro de dois volumes e uma monografia inteiros só para ela. Tem um quadrado mágico no alto, à direita. Parece que interpretam o que para mim parece um sol, como sendo um cometa. Esta época, 1514, é o início do domínio sobre a luz, por isso creio ser o sol e seus raios, num modo didático de dizer que é a luz que cria o arco-íris. A "anja" sentada não está com fisionomia melancólica, entretanto. Me parece que sua melancolia está relacionada ao tédio diante das descobertas da ciência, desvendando como o mundo se constitui, com tantos instrumentos para dominá-lo. tem o compasso, a ampulheta, a balança, a roda (o anjinho pequeno está sentado sobre ela), entre outras ferramentas. mas o que mais me impressiona,fotógrafos!, tremei, é o baita pentaprisma na cena. a interpretação que vi no Wiki me parece ridícula. dizem que simboliza a forma imperfeita, inacabada, que relacionam ao sentimento de Melancolia. que nada! com um pentaprisma desses, quem precisa de câmera escura para desenhar?

terça-feira, setembro 18, 2007

CONTROL

O fotógrafo e diretor de cinema Anton Corbijn fotografou Joy Division em 1979. Usou preto e branco. Em 2007, lança o filme CONTROL, usou preto e branco. O trailler mostra um filme à moda antiga, planos bem fotografados, ritmo humano de edição, sem câmera frenética, voando entre prédios, sem gente congelada no ar enquanto a câmera gira, um mundo que acaba sendo mais romantizável do que o fantasioso da maioria dos filmes de Hollywood hoje em dia. Não é um filme de rock, apesar de falar também da antológica banda, e dos fãs quererem muito que fosse, mas concentra-se no relacionamento entre Ian Curtis e Deborah, até o suicídio do marido, em maio de 1980. Preto e branco é só a técnica escolhida? Joy Division, New Order, só um pano de fundo?

Jornal Pinhole

Fui assinante do Pinhole Journal em 2005. Tinha sempre coisa interessante, foi descontinuado. Durou 55 edições. As edições anteriores, ou o que restou delas, ainda estão a venda no site, por preços até módicos: Pinhole Resource. Vi esta foto e me lembrei das experiências com cianótipos, que pretendo retomar assim que terminar a dissertação de mestrado.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Na falta de inspiração, um copy-paste

A fotografia é uma linguagem que foi explorada desde a sua criação há mais de 160 anos e para a qual foi desenvolvido um extenso corpo de conhecimento técnico. A indústria participou dessa exploração criando tecnologia ligada à produção de ferramentas para a execução de fotografias. Não que estas inovadoras ferramentas fossem absolutamente necessárias para que as imagens continuassem sendo feitas, mas foram muito úteis, de fato.

Ao longo dos anos essa pesquisa foi sendo direcionada à solução dos problemas mais comuns na realização de fotografias visando a valorização comercial da ferramenta e a padronização da qualidade técnica das imagens.

Na verdade, quando o próprio Niepce decidiu buscar uma maneira de gerar uma nova matriz a partir de uma gravura impressa e orfã, ele também queria valorizar a sua ferramenta comercialmente.

Na época da invenção do daguerreótipo a exposição à luz era exageradamente longa e a cada mês ou mesmo semana avanços nas pesquisas tornavam possíveis exposições cada vez mais curtas. Nos anúncios dos comerciantes da fotografia esse tempo de exposição (cada vez mais curto) figurava sempre em destaque. Assim se media o avanço da técnica, assim se dava sua valorização comercial. Hoje é o megapixel que mede o avanço tecnológico da fotografia e que faz os preços subirem.

terça-feira, julho 10, 2007

Será?

"A obrigação de produzir aliena a paixão de criar. O trabalho produtivo faz parte dos processos de manutenção da ordem. O tempo de trabalho diminui à medida que cresce o império do condicionamento." Raoul Veneigam
Li esse quote num tag line. Será?

segunda-feira, junho 25, 2007

Filme x Digital

No meio das montanhas do Peru, a briga continua...

quinta-feira, junho 21, 2007

A tal da metareciclagem

Recentemente tentei estar presente a um batepapo no Estúdio Livre que rola de vez em quando, são os famosos Papos na Casinha. O Estúdio tem um casinha ali na Vila Madá.
Entrei no site deles e pude baixar o mp3 com o papo. Ouvi as 2h20 de conversa, se fala muito sobre política já que isso está tão intrinsicamente ligado ao que se faz hoje em alta tecnologia.
Enquanto eu inocentemente tento me apropriar de hardwares obsoletos, eles querem se apropriar da maneira de construir softwares. O buraco é duplamente mais embaixo. Eu só quero fazer arte, eles querem libertar o conhecimento e a tecnologia, torná-los realmente acessíveis.
Eu achava reciclagem legal, pegar um Mac velho e ressucitá-lo. A metareciclagem é ensinar meninos a programarem seus PCs velhos com distros de linux construidas num fundo de uma escola em ruínas.
O Felipe, 2F, arrasou comigo e nem se deu conta: hardware é muito simples, um quebra-cabeça de 5 ou 6 peças. Software é a nova fronteira, nossos problemas se resolvem é no software.

terça-feira, junho 19, 2007

Esquina entre o século XXI e o XIX

Chapas de cobre são velhas conhecidas dos gravuristas e dos fotógrafos velhos. Minha amiga Helena (Helenbar) participou de uma oficina de daguerreótipos no Studio do Século XIX de Francisco Moreira da Costa em Lumiar e documentou para a gente poder ver um pouco também.

sexta-feira, junho 01, 2007

Una Salida

Foi no Mês da Fotografia de 1999 que eu conheci a Pampa. Uma texana que tocava um escritório de fomento à arte em Houston. Ela me encheu de vontade de ir ao FotoFest em 2000, em busca de uma saída. Para Pampa, o FotoFest é o lugar para encontrar una salida, no portunhol que ela aprendeu no Brazil. Una salida é um fim para algo que já começou.
Essa semana fomos à uma exposição diferente, a primeira exposição da galeria virtual http://florenceantonio.com.br/ que está rolando na Casa dos Macacos no Morumbi. Uma galeria virtual, quem diria? Mas que para mostrar a que veio aluga uma casa abandonada, ou melhor, uma enorme mansão no Morumbi e faz uma coletiva com todos seus artistas. Um coletivo, quem diria? Uma casa, por apenas um mês, quem diria?
A verdade é que nem todo mundo precisa ir a Houston para encontrar uma saída. Ela pode estar aqui, em uma casa abandonada, em uma idéia coletiva, simples e virtual.

sábado, maio 26, 2007

Câmara Corporal

Para tirar uma foto é preciso se aproximar do outro. Mas se aproximar não é chegar perto, é estar com o outro, ficar com o outro, restar com o outro, levá-lo para sempre dentro de nós mesmos. É quando essa consumação se torna imediatamente possível que a foto acontece. Não é preciso possuir.... nem uma câmera...

E lá vai o meu outdoor:
A câmara corporal é fototemporal

sexta-feira, maio 25, 2007

BolaBox

BolaBox
fiz uma nova câmera, a BolaBox. aí vai uma das primeiras fotos, que eu estraguei por acaso e por acaso saiu boa, gostei. ela faz imagens redondas. a terra, dizem, como é. ainda faltam alguns ajustes. percebam que o foco tá parecendo pinhole, deve ser o hábito do dono. o obturador é à moda antiga, destapar e tapar a objetiva manualmente. a objetiva é intercambiável, muito chique a BolaBox. aceita tanto Nikon quanto Canon quanto Pentax quanto Paraguaias mil. que democrática.

terça-feira, maio 15, 2007

O mundo é das digitais

Até agora, ninguém me olhou esquisito por eu carregar uma FM2, mas eu posso garantir que todos que cruzaram comigo em 10 dias de viagem tinham uma digital para fotografar. E olha que nao foi pouca gente, considerando que eu estive na meca turística do Peru, Machu Picchu. Tem um monte de gente com essas compactas de LCDs enormes e vários caras "sérios" com suas gigantes D200 ou equivalentes. E no trem de volta, esses caras ficavam olhando as fotos do dia e mostrando para os amigos seus melhores ângulos. Mas o mais engracado mesmo é o objetivo comum de todos: conseguir a famosa foto do cartao postal! Pra garantir a nossa pose em frente às ruínas, já na hora de ir embora, eu e meu irmao pedimos pra quem entende dessas coisas: largamos a câmera na mao de um japonês e seguimos suas orientacoes de dar uns passinhos pro lado. O Marcus garante que vai pro porta-retrato!

segunda-feira, maio 07, 2007

A foto da capa


Mastrangelo Reino. Folha Imagem 07.05.2007




Hoje pela manhã, após um belo domingo desconectado dos meios de comunicação, encontro na primeira página da Folha de São Paulo uma impactante fotografia. O autor, Mastrangelo Reino, capturou com sua digital, na madrugada de sábado para domingo, 16 policiais militares (você conta mais?) no confronto com os ditos fãs do grupo racionais MC’s, no centro de São Paulo. Sendo o destaque imagético único da Virada Cultural na capa do jornal, ocupou todo o terço superior. Com tamanho destaque (aliás, merecido pela imagem) algumas perguntas ficaram na minha cabeça:
A capa só serve para vender o jornal, ou já transmite idéias e valores sobre os “fatos”? O título que acompanha a fotografia (Virada tem público recorde e depredação) serve como contraponto, atenuante, ou fica a imagem de que o tumulto foi mais importante que a festa? Não teria o banco de imagens da Folha uma fotografia espetacular da festa para por ao lado desta ou para dar como destaque (ou no caso, o incrível dessa imagem é realmente único)? Os fotógrafos do Jornal só buscam confusão e não conseguem fotografar espetacularmente (como parece exigir uma primeira página) a festa popular?
Ou seria a imagem da violência já contraponto das duas fotografias abaixo, a saber: Felizes jogadores do Santos F.C. comemorando a conquista do campeonato e o beijo dos noivos (pais de Enzo, 7; 2º. Milagre atribuído a frei Galvão?!?!?)?
Como articular denúncia e informação?
Por fim, o que é espetacular, e o que se tornou banal: 3,5 milhões de pessoas se divertindo no centro da metrópole em plena madrugada ou o confronto da PM nas ruas da cidade?

P.S.: Obviamente duvido que seja incapacidade dos fotógrafos cujas fotografias admiro freqüentemente nas páginas do jornal. E todas as minhas medalhas (mesmo que eu não tenha mérito para conceder nenhuma) para Mastrangelo Reino, que afinal deve estar muito feliz com ter emplacado a capa. Eu também ficaria.